Setor imobiliário vive boom de lançamentos - já é hora de voltar a investir em construção civil?

Investir no setor de construção civil não é assunto para principiantes. Para tomar as decisões certas, é preciso saber fazer uma leitura atenta do momento do país. Afinal, essa é uma das atividades que mais dependem de um ciclo econômico favorável. O mercado só deslancha na presença de três condições: renda (ou seja, emprego), acesso a crédito (já que comprar à vista é para poucos) e, é claro, pessoas interessadas em adquirir imóveis naquele momento.

O início da pandemia de covid-19 abalou todos os setores da economia, mas para os empreendimentos imobiliários esse choque não durou mais que três meses. Hoje, o ritmo dos lançamentos é intenso, maior que o de 2019. Mas, apesar dessa aparente pujança, as ações do setor estão andando de lado e os três papéis (Cyrela, Eztec e MRV) que estão no Ibovespa acumulam prejuízo em 2021. O que explica isso?

Para traçar um cenário do setor, mapear desafios e identificar oportunidades, o 6 Minutos conversou com três especialistas em construção civil: Eduardo Guimarães, da Levante Investimentos, Caio Ventura, da Guide Investimentos, e Rafael Ragazi, da Nord Research.

Qual é a situação do mercado hoje? Há um boom de novos empreendimentos. De 2020 para cá, muitas construtoras aproveitaram o momento favorável de preços e juros baixos para comprar terrenos pagando mais barato. E os canteiros de obras estão a todo vapor. Então, teremos um mar de lançamentos nos próximos anos.

O maior problema no radar é o aumento no preço dos insumos. Do aço ao concreto, tudo está bem mais caro – o INCC dos últimos 12 meses está na casa dos 10%. A alta do dólar encareceu os materiais, e o forte investimento em infraestrutura que será feito por Joe Biden nos EUA vai piorar a situação, ao provocar um aumento da demanda por eles.

A consequência disso é um achatamento das margens de lucro das construtoras – que não poderão repassar integralmente o aumento de custos para os consumidores.

Haverá compradores para tantos imóveis? Rafael Ragazi não tem dúvidas que sim. “A pandemia reduziu os lançamentos a zero, mas as vendas se recuperaram rápido. Mesmo com as atuais incertezas, a demanda continuou aquecida e deve crescer ainda mais quando esse momento passar”, acredita o analista.

Mais cauteloso, Eduardo Guimarães vê uma “luz amarela” para o setor. “Enquanto a oferta de novos projetos cresceu bastante, a demanda está fixa. As empresas só estão repassando os custos porque ficaram muito tempo sem lançar nada e os estoques ainda estão baixos”, afirma.

É crucial para o setor que os consumidores acompanhem esse ritmo intenso de lançamentos – e absorvam os preços maiores. Mas não haverá crescimento de renda pelo menos nos próximos 48 meses. A combinação de aumento de custos e renda estagnada pode acabar provocando uma tempestade perfeita.

O BC sinalizou o início de um ciclo de alta dos juros. Qual é o impacto disso nos negócios do setor? A primeira alta, de 0,75 ponto percentual, não faz muita diferença. Não há um repasse imediato para os financiamentos imobiliários. Mas, se o aperto do BC for maior, os bancos elevarão as taxas dessas operações, o que dificultará o acesso de novos compradores.

Por outro lado, ao elevar a Selic agora, o BC evita uma inflação maior mais adiante, e isso alivia a curva de juros futuros. “O que importa para os financiamentos são justamente as taxas no longo prazo, já que essas operações são de 20 ou 30 anos”, diz o analista da Nord.

O que está acontecendo com os preços das ações? Estão em baixa. Para ficar apenas nos papéis que figuram no Ibovespa, Cyrela recuou 15%, Eztec perdeu 24% e MRV caiu 4%, do início de 2021 para cá. No mesmo período, o IMOB (índice setorial da construção civil) acumula baixa de 10,47%. Em papéis de empresas de segunda linha, que têm menor liquidez, os prejuízos chegam a 30%.

“Historicamente, existe uma correlação negativa entre taxa de juros e preço das ações. Quanto mais a Selic sobe, mais os papéis das construtoras caem”, explica Guimarães.

Ele conta que o atual baixo desempenho ocorre porque investidores estão reduzindo suas posições no setor, em um momento de maior aversão ao risco. “A construção civil está entre os setores mais arriscados da Bolsa, com ciclos de negócios muito longos”, afirma.

Ragazi, por outro lado, não vê sentido para números tão ruins. Ele diz que, ao precificar as ações, o mercado é contaminado por um fator emotivo, que é vulnerável a notícias negativas.

“O que está preocupando o mercado não está relacionado com a realidade do setor ou das empresas”, afirma. “Quem tem mais frieza enxerga [nessas baixas] a oportunidade de complementar suas posições nessas empresas, que estão com preços atrativos.”

É melhor apostar em empresas com foco em programas habitacionais populares, ou nas voltadas para os públicos de média e alta renda? Durante a crise de 2014, quem levou a melhor foram as empresas populares. Enquanto as que atendiam segmentos mais elevados se viram às voltas com um grande número de distratos, as que atendiam ao programa Minha Casa Minha Vida não sofreram grandes abalos.

Hoje, porém, o jogo se inverteu. Não vale a pena apostar alto em um segmento que é excessivamente dependente do governo – e está em um momento de baixa, pois o orçamento para programas sociais deve encolher em meio à crise fiscal.

“O programa [que atualmente se chama Casa Verde e Amarela] não pode durar para sempre. Prefiro não correr o risco de ele não ser renovado”, diz Guimarães.

Ragazi lembra que, enquanto os estratos mais baixos são mais sensíveis a juros e desemprego, o segmento de alta renda é menos influenciado pela realidade econômica. “A classe alta foi menos impactada pela pandemia e continuou comprando”, diz o analista da Nord.

Quais são as recomendações dos especialistas neste momento? Caio Ventura diz que o investidor deve preferir empresas que estejam bem posicionadas financeiramente para surfar esse momento de retomada do mercado.

“Eu olharia balanços sólidos, como os de Cyrela e Eztec. Essas empresas estão com níveis baixos de dívida, perspectiva de aumento de lançamentos, ritmo de venda sólida e redução significativa dos estoques”, descreve o analista da Guide. “Além disso, têm preços abaixo do que o mercado considera como ideais e, portanto, um grande potencial de valorização.”

Eduardo Guimarães diz que o momento é de reduzir os riscos da carteira e escolher empresas mais consolidadas e com menor endividamento em relação ao patrimônio líquido. Partindo desse critério, ele dividiu os principais players em três grupos. O primeiro é o das empresas que estão com as contas em dia, caso de Cyrela, Eztec e MRV.

Numa situação intermediária, estão Trisul e Mitre, nomes que em ele também acha válido apostar, além de Even e Helbor. Por fim, Gafisa, Tecnisa e Moura Dubeux ocupam a lanterninha. “Eu ficaria de fora das empresas que não estão com a casa arrumada”, aconselha.

Ragazi destaca que é importante olhar o que cada incorporadora pretende fazer nos próximos anos. “Quem pagou barato lá atrás pelos terrenos fez um bom estoque, e agora pode lançar em ritmo forte pelos próximos 2 ou 3 anos. Essas empresas entregam margens mais altas para o investidor”.

Ele recomenda Trisul, Eztec e MRV. “A Trisul entrega a maior rentabilidade sobre patrimônio do setor e é a melhor posicionada para aproveitar o ciclo no curto prazo. A MRV vai criar uma plataforma habitacional e expandir seu escopo de atuação para a média renda, por meio de uma marca nova. Já a Eztec tem 40 anos de experiência, grande compreensão do mercado, solidez e rentabilidade impressionantes. Para quem quiser apenas um papel desse setor, para comprar e esquecer, é ela que indico.”

Quero receber bons dividendos. Quais são as melhores escolhas? A construção civil não é um setor que se destaca nesse sentido. “O dividend yield das ações fica entre 3% e 4%. Para quem busca dividendos, faz mais sentido ir para os fundos imobiliários, que entregam yields de 7% ou 8%“, compara Ventura.