Dezenas de bilhões de pontos de programas de fidelidade expiram todos os anos no Brasil. Isso acontece porque os donos não usam seus pontos dentro do prazo de validade do programa. Em 2017, último dado disponível, 33,8 bilhões desses pontos venceram no país somente em cartões de crédito.
Esse cenário começa a mudar, com o mercado permitindo, cada vez mais, o uso de milhas para compras de menor valor. O breakage, que é como a indústria batizou o percentual de milhas que expiram sem uso, vem caindo, com a taxa média encerrando o ano passado em 16,5%_ no passado, esse percentual já foi de 25%.
Mesmo assim, quando se compara com a situação de países como os EUA e Canadá, o Brasil ainda engatinha no sentido de estimular o cliente a usufruir mais dos pontos acumulados.
No exterior, além dessa taxa girar em torno de 10%, a maior parte dos grandes programas não prevê expiração de milhas, ou se prevê, esse prazo é recalculado a cada transação (acúmulo de pontos ou resgate) do usuário naquela conta.
“Em outros países, a principal linha de receita das empresas vem ou das transações em si ou do floating, que é a aplicação antecipada de recursos referentes aos pontos em produtos financeiros”, explica Bruno Nissental, do aplicativo que permite comparar o valor de milhas Oktoplus. “No Brasil, a expiração de pontos ainda é uma linha de receita importante”.
Para se ter uma ideia, a receita com milhas expiradas do Multiplus, programa de fidelidade da Latam, foi de R$ 120,1 milhões no último trimestre do ano passado, o equivalente a 50,9% da receita total, antes do pagamento de impostos. Esse é o último balanço disponível do programa, que foi comprado pela Latam.
No caso do Smiles, programa de fidelidade da Gol, o ganho com pontos que não foram usados foi de R$ 53,9 milhões no primeiro trimestre deste ano, o equivalente a 20% da receita bruta do programa.
“Faz parte da política de companhias aéreas e cartões de crédito ter uma taxa de expiração para que o negócio seja sustentável financeiramente”, alerta Nissental. “E alguns programas não têm o hábito de avisar que os pontos estão vencendo”.
Em outras palavras, essas empresas contam com a não utilização dos pontos como forma do seu negócio parar de pé.
No caso das milhas de cartão de crédito, a lógica é um pouco diferente, já que a ideia é estimular o consumidor a gastar o máximo possível naquele cartão. “Mesmo assim, os cartões também possuem o que consideram uma taxa ótima de breakag”, afirma Nissental.
Seja nos cartões de crédito, nas companhias aéreas ou no varejo, a importância do breakage já está diminuindo e tende a cair cada vez mais, com os principais players percebendo que, para garantir o sucesso dos programas de fidelidade no médio e longo prazo, a reversão em benefícios para o consumidor é essencial.
“Não tem mais uma métrica de criar um programa para que não seja usado. Se o programa dá certo, é que ele é muito utilizado. A ideia é dar, cada vez mais, liquidez para os pontos”, diz Emerson Moreira, diretor da Abemf (Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização). “Cada vez mais, o programa tem que ser importante para o consumidor. O modelo de desenvolver estratégicas para ter um breakage alto não faz mais sentido. A indústria está amadurecendo e indo para outro lado”.
A principal saída é permitir que os pontos tenham cada vez mais liquidez, ou seja, que possam ser trocados com mais facilidade.
A troca por passagens aéreas ainda é o principal objetivo da maioria dos consumidores, mas a indústria vem permitindo que as milhas sejam usadas para adquirir produtos ou serviços de menor valor.
“A indústria está tentando criar opções de trocas de pontos com valores mais baixos. As pessoas com baixa pontuação tinham dificuldades para trocar quando só podiam adquirir passagens aéreas”, afirma Nissental, da Oktoplus. “Mas as empresas começaram a perceber que quando um usuário tem experiência de troca de pontos, ele tende a acumular mais pontos, se sente incentivado”.
Troca de milhas por passagens aéreas é principal destinação dos pontos (Shutterstock)
A tendência para o mercado brasileiro é seguir o caminho de Canadá, Alemanha ou Austrália, onde as pessoas conseguem usar os pontos inclusive no varejo físico, obtendo descontos ou o chamado “cash back” (quando a instituição te devolve um valor que pode ser usado em novas compras).
Para Moreira, que também é e CEO da LTM Fidelidade, mesmo nesses mercados a taxa continua girando em torno de 10% porque há um grupo de consumidores que, mesmo avisados da expiração iminente, não usam os pontos. “É um comportamento de um grupo pequeno da população que ainda não foi impactada pelo movimento de pontos”.
O Oktoplus foi fundado nesse contexto: permitir que o usuário cadastre até 80 programas de fidelidade diferentes e seja avisado quando seus pontos estiverem perto de vencer. Também permite uma pesquisa para ver em quais trechos de companhias aéreas ou compras no varejo seus pontos do cartão de crédito são mais lucrativos.
Pelo aplicativo, é possível saber, por exemplo, que no início de junho, no programa Multiplus, 10 mil pontos compram uma passagem aérea equivalente a R$ 360, ou produtos de preços que variam entre R$ 170 e R$ 190, ou alugar um veículo por R$ 180. O consumidor ainda pode vender suas milhas por dinheiro: R$ 310 na sua conta bancária.
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