Conta corrente em dólar para PF no Brasil? BC diz que isso é assunto fora de cogitação

O projeto de lei 5.387 de 2019, que vai instaurar um marco regulatório para o câmbio, já passou pela Câmara dos Deputados e, pelo que tudo indica, também será aprovado no Senado. Muita gente tem a expectativa de que esse PL vai liberar a abertura de contas correntes em moeda estrangeira por pessoas físicas no Brasil, algo que nunca foi permitido por aqui.

O 6 Minutos foi checar essa história com o Banco Central e o que ouviu como resposta foi um sonoro “não”. A instituição garantiu que a nova lei cambial não contém nenhuma disposição nesse sentido – e que fazer uma liberalização mais ampla da abertura de contas correntes está completamente fora de cogitação neste momento.

Quem pode ter conta corrente em moeda estrangeira no Brasil hoje? Apenas um grupo muito seleto de empresas, como bancos, casas de câmbio, seguradoras e cartões de crédito, tem essa possibilidade. Às demais empresas e às pessoas físicas, isso não é permitido. E o BC garante que isso continuará sendo uma exceção, não uma regra.

Mas e essas contas internacionais em dólar e euro, que são oferecidas por bancos digitais? Elas estão burlando alguma norma? Essas contas não estão no Brasil, e sim no exterior. O cliente faz depósitos em reais no Brasil, o banco faz a conversão para a moeda estrangeira e envia os recursos para a conta internacional, que é mantida por uma instituição parceira (explicamos como elas funcionam aqui.)

E não há nada de errado nisso, já que qualquer cidadão ou empresa pode colocar parte de suas economias ou receitas no exterior. Basta que os recursos tenham origem lícita e que sejam recolhidos os impostos associados às operações de câmbio e envio do dinheiro. O que não é permitido é que essas contas em moeda estrangeira estejam dentro do Brasil.

Por que as pessoas gostariam de ter contas correntes em moeda estrangeira, se isso lhes fosse permitido? Referência de valor e segurança em todo o mundo, o dólar norte-americano é uma moeda bem mais forte e estável que o real brasileiro. Por isso, a ideia de formar uma reserva financeira em uma moeda que jamais perde seu poder de compra é tentadora. De quebra, isso facilitaria não só fazer viagens internacionais, mas também manter investimentos e outros ativos no exterior (que tal um plano de aposentadoria em dólar, por exemplo?). Em suma, poder movimentar moeda estrangeira daria mais liberdade às pessoas, inclusive de se proteger contra os efeitos negativos da desvalorização do real.

Mas qual é o propósito dessa proibição? Do que o BC tem medo, afinal? O BC proíbe as pessoas de abrir contas correntes em moeda estrangeira no Brasil justamente porque sabe que é isso que elas fariam, se pudessem. Assim que isso fosse liberado, os brasileiros rapidamente passariam a formar suas reservas em dólar.

A partir daí, não seria nada absurdo que o dólar passasse a ser aceito como meio de pagamento. E, daí a ser usado como indexador, seria um pulo. Se um cafezinho já custa R$ 5, por que não fixar o preço em US$ 1? Logo estaria instalada uma dolarização da economia, uma armadilha da qual seria difícil sair.

As consequências são bem conhecidas pelos nossos vizinhos argentinos, que foram muito permissivos nesse sentido e viram o valor da moeda nacional se esfarelar. O BC acha que não compensa correr esse risco com o real.

Todos os países que permitiram a abertura de contas correntes em moeda estrangeira tiveram consequências negativas? Não. EUA e países da Europa Ocidental não tiveram problemas, mas esses países vivem realidades muito diferentes da brasileira. Seria mais justo olhar países com nível de desenvolvimento semelhante ao nosso, como México, Turquia e África do Sul. E a verdade é que todos eles são menos restritivos com contas em outras moedas que o Brasil – alguns inclusive se deram bem com isso.

Mas aí entram em cena os nossos fatores históricos, econômicos e até culturais. No Brasil criou-se um estigma em torno do ato de guardar dólar, algo que sempre foi associado a ilícitos, esquemas, irregularidades. Isso acaba pesando também, diz o BC. Sem falar que, para o governo brasileiro, ter o câmbio sob rédea curta lhe dá a chance de usar o dólar como instrumento de controle da inflação, valorizando ou depreciando a divisa quando achar necessário.

E as empresas que têm atividades expostas ao câmbio, como é o caso das importadoras? Para elas, ter contas correntes em dólar no próprio país seria muito útil, pois permitiria que se protegessem contra oscilações bruscas na cotação da moeda.

Na prática, hoje essas empresas acabam se virando com outras soluções para fazer hedge, como os contratos de derivativos. Justamente por causa disso, o BC entende que não existe urgência em estender a elas a possibilidade de ter contas em outras moedas neste momento.

Esse ‘não’ do BC é definitivo? Embora hoje o BC não tenha apetite para promover essas mudanças, ele admite que, no futuro, poderá repensar a questão, caso isso faça sentido do ponto de vista econômico. Mesmo assim, seria uma abertura “lenta, segura e gradual” e apenas em situações nas quais ele enxergar que a medida traria ganho de eficiência, ou redução de riscos, principalmente para as empresas mais expostas ao câmbio.

Para as pessoas físicas, porém, a avaliação do órgão é que as principais necessidades de moeda estrangeira, que são as viagens internacionais, já são suficientemente bem-atendidas pelos cartões pré-pagos.