Com algumas exceções, os investidores vêm demonstrando pouco apetite pelos papéis das empresas que, na maior onda de IPOs desde 2007, abriram o capital na bolsa brasileira neste ano.
Levantamento do 6 Minutos com base nos dados do Investing.com mostra que, de 19 companhias que foram à B3 neste ano, somente quatro tiveram desempenho melhor do que o do Ibovespa, principal índice brasileiro, entre a data de estreia e o último dia 23 deste mês.
As exceções são a empresa de hospedagem de sites Locaweb, que subiu impressionantes 244,66% no período, a construtora de imóveis para a baixa renda Plano & Plano, a rede de lojas de material de construção Quero-Quero e a Cury Construtora, também voltada à empreendimentos imobiliários para a faixa de menor poder aquisitivo.
Os dados incluem apenas empresas que estrearam na bolsa até a primeira quinzena de outubro.
EMPRESA | Valorização do IPO até 23 de outubro | Valorização do Ibovespa no mesmo período |
---|---|---|
Plano & Plano | 2,55% | 1,16% |
Petz | -1,19% | 2,94% |
Pague Menos | -12,80% | -0,64% |
Lavvi Empreendimentos Imobiliários | -18,22% | -0,64% |
Lojas Quero Quero | 15,72% | -2,11% |
Grupo Soma | 19,40% | -1,61% |
Ambipar | -10,20% | 2,60% |
AllPark | 4,71% | 30,56% |
Moura Dubeux | -41,03% | -12,45% |
Priner | -27,99% | -12,80% |
Mitre Realty | -28,61% | -12,73% |
Locaweb | 244,66% | -12,09% |
Varejo Farma Participações | -28,37% | -2,11% |
Cury Construtora e Incorporadora | 7,82% | 4,40% |
Hidrovias Brasil | -7,68% | 4,39% |
Melnick Even Desenvolvimento Imobiliário | -11,38% | 6,96% |
Boa Vista Serviços | -3,91% | 7,04% |
Sequoia Logística e Transportes | 2,05% | 6% |
Grupo Mateus | -10,51% | 2,80% |
Fonte: Investing.com |
Concorrência com empresas consolidadas
Segundo especialistas, o desempenho negativo de boa parte das empresas pode ser atribuído à avaliação de que ainda não estavam maduras para a abertura de capital.
Além disso, os setores que puxaram os IPOs neste ano, o imobiliário e o varejo, já possuem muitas companhias fortes com ações na B3. Na hora de escolher, muitos investidores acabam optando por empresas mais consolidadas.
“Investir em IPOs em geral é considerado mais arriscado”, explica Lucas Taxweiler, especialista em investimentos da Magnetis. “Você não consegue avaliar resultados passados para ter um bom parâmetro”.
O ramo imobiliário, por exemplo, somou seis aberturas de capital neste ano. Com exceção da Plano & Plano e da Cury, que são voltadas à baixa renda (o segmento costuma mostrar mais resiliência à crise do que os demais), as empresas do setor apresentaram quedas expressivas.
A Moura Dubeux, por exemplo, construtora com foco no Nordeste, teve queda de mais de 40% desde que estreou na B3, em fevereiro deste ano. A Lavvi, especializada em empreendimentos de alto padrão, perdeu 18,2% em valor desde o IPO, no início de setembro.
Na outra ponta, se deram bem empresas com um modelo de negócios mais original ou conectado com a pandemia de coronavírus. A Locaweb, por exemplo, fornece serviços de hospedagem de sites e plataformas para lojas online e softwares, e se beneficiou do processo forçado de digitalização de pequenos e médios negócios.
A Quero-Quero, outro papel de bom desempenho, atua num segmento que também brilhou durante a pandemia: a venda de material de construção.
Juros baixos e elevada liquidez
A quantidade de IPOS deste ano é resultado de uma série de razões.
Em primeiro lugar, os juros no Brasil nunca estiveram tão baixos. A Selic, taxa básica da economia, está em 2% ao ano, em um cenário que desestimula os investimentos em renda fixa –a maioria das aplicações conservadoras vem perdendo para a inflação ou mesmo apresentando rentabilidade negativa.
Isso decretou o fim de décadas em que os juros elevados entregaram ao investidor o cenário perfeito: alta rentabilidade, liquidez e baixo risco.
Além disso, a pandemia e a forte injeção de recursos nos mercados por parte dos bancos centrais de todo o mundo, inclusive no Brasil, faz com que haja uma liquidez sem precedentes na história.
Com investidores tentando recuperar a rentabilidade através da diversificação das suas aplicações, as empresas com planos de expansão pisaram no acelerador.
Esse momento propício para o mercado de capitais, entretanto, não elimina o fato de que estamos vivendo uma forte crise, com consequências futuras que poucos se arriscam a prever.
Para parte dos gestores, essas empresas estão caras.
“Em momentos de pessimismo, investidores tendem a subavaliar empresas, chegando em um preço menor”, aponta Taxweiler, da Magnetis. “O retorno exigido pelos investidores é maior por conta da percepção de mais risco. O preço é sempre relativo à percepção”.