Seleção natural: grandes museus conseguem se sair melhor com visita online

A pandemia surgiu depois de um ano considerado excelente para os museus brasileiros. O Museu de Arte de São Paulo (Masp), por exemplo, bateu em 2019 o seu recorde de visitantes em 73 anos de história: 729.325 pessoas passaram por lá, acréscimo de 31% em relação ao recorde anterior, registrado em 2012. Foi um resultado puxado em grande parte pelo sucesso da exposição “Tarsila popular” – que, entre abril e junho, atraiu 402.850 visitantes.

Quando não puderam mais receber visitantes por conta da covid-19, os museus se viram diante da necessidade urgente de desenvolver ou aprimorar suas estratégias virtuais. Seria o único caminho possível para manter os vínculos ou mesmo para atrair pessoas que até então não eram frequentadoras assíduas.

“Os museus brasileiros alcançaram outro patamar em 2019 e este ano seria o de consolidação dessa tendência”, observa o gerente de Relações Institucionais da Federação de Amigos de Museus do Brasil (Feambra), Nelson Colás. “Mas a pandemia chegou, e não há nada que se possa fazer em relação a isso a não ser procurar formas de reinvenção. No final das contas, tenho certeza de que o setor sairá fortalecido”, avalia.

Para se sentir lá

Colás lembra que o crescimento registrado em 2019 foi em grande parte decorrente das inovações na administração dos museus, incluindo o uso das redes sociais e a adaptação da linguagem para se aproximar do público mais jovem. “Os museus passaram a falar diretamente com a sociedade, de maneira mais atrativa e com interação”, avalia o gerente da Feambra.

Nesse sentido, pode-se até dizer que o ano de 2020 está sendo, sim, de continuidade e de consolidação. Os principais museus brasileiros não ficaram simplesmente à espera do momento de reabrir as portas. A produção de conteúdo digital foi intensificada, com o propósito principal de fomentar a interação com o público, de todas as idades.

O Masp convocou seus seguidores no Instagram não apenas para conhecer virtualmente suas obras, mas também para produzir arte. Uma das atividades de maior sucesso no período de quarentena é a campanha #maspdesenhosemcasa. A cada terça, o museu desafia o público a fazer releituras de uma obra do acervo. Os vencedores ganham um passaporte para visitar gratuitamente o museu durante um ano.

Foi preciso também dar sequência à programação, dentro do possível. Enquanto as portas do museu não podem ser reabertas, a mostra “Hélio Oiticica: a dança na minha experiência”, que seria física, tornou-se digital, com a oferta de visitas guiadas virtuais. O público pode conhecer, assim, 126 trabalhos relacionados à experiência de Oiticica com a dança, influência iniciada em 1964, quando o artista se tornou passista da Mangueira. Suas obras mais conhecidas hoje, os Parangolés, foram concebidas a partir dessa vivência.

Redes sociais efervescentes

Também muito tradicional – foi fundado em 1948, um ano depois do Masp –, o Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo criou uma intensa programação online para se manter presente no dia a dia do público: tours virtuais, lives, quizzes, conteúdos inéditos e cursos online em seus canais digitais. As iniciativas são organizadas em torno da campanha #MAMonline.

O resultado do esforço se reflete diretamente nos números de acesso das plataformas digitais do museu. Desde que a campanha foi iniciada, o perfil do MAM no Google Arts & Culture, que oferece tours virtuais para mostras emblemáticas da trajetória da instituição, subiu de 1.200 page views por mês, em fevereiro, para quase 20 mil em junho.

Outros importantes museus brasileiros também estão muito ativos nas redes sociais. Instituições como a Pinacoteca de São Paulo, o Museu do Amanhã do Rio de Janeiro e o Museu Oscar Niemeyer, de Curitiba, têm postado conteúdo diariamente – com a preocupação não apenas de exibir as obras que possuem, mas de fomentar discussões relevantes para a sociedade atual. São também “iscas” para levar o público ao conteúdo oferecido nos respectivos sites, que incluem visitas virtuais a exposições marcantes.

Museus menores em risco

Se, por um lado, os museus com mais estrutura estão lidando bem com as circunstâncias, a projeção é de que a pandemia acabe provocando uma espécie de “seleção natural” no setor.

Instituições que já estavam tendo dificuldades para se aproximar do público em tempos digitais (no início de 2019, uma pesquisa revelou que só 10% dos 3,8 mil museus brasileiros ofereciam em seus sites o recurso da visita virtual) podem acabar fechando definitivamente as portas.

Trata-se de um fenômeno global. No dia 18 de maio, Dia Internacional dos Museus, a Unesco anunciou os resultados de uma ampla sondagem internacional. Concluiu que 13% dos museus estavam seriamente ameaçados de não conseguir retomar as atividades no pós-pandemia.

“Precisamos ajudá-los a lidar com essa crise e mantê-los em contato com o público, pois os museus desempenham um papel fundamental na resiliência das sociedades”, comentou na ocasião a diretora geral da Unesco, Audrey Azoulay. Ela acrescentou que “ajudar” significa, na maior parte dos casos, direcionar verbas para assegurar a proteção social das equipes dos museus, a digitalização e o inventário de coleções e o desenvolvimento de conteúdo online.

Planejamento da volta

Enquanto lutam para sobreviver, os museus brasileiros começam a se preparar para a possibilidade de reabrir as portas, em condições que envolverão uma série de medidas e protocolos. Essas diretrizes foram estabelecidas, em linhas gerais, pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), autarquia do Governo Federal vinculada ao Ministério do Turismo.

O documento enfatiza a importância de estabelecer regras rígidas de circulação, com obediência ao distanciamento físico recomendado. Isso exige a redefinição da capacidade máxima de visitantes, por ambientes e por turnos de visitação, além do aumento da frequência dos procedimentos de desinfecção e da revisão dos sistemas de ar condicionado e de ventilação.

Com menos público circulando, a necessidade de equipe presencial também diminuirá. A orientação do Ibram é para que os museus criem escalas de revezamento para os profissionais cuja presença é essencial, todos devidamente protegidos com Equipamentos de Proteção Individual (EPI), e adotem o teletrabalho para as funções que possam executar o trabalho de forma remota.