Jackson do Pandeiro chega ao centenário com obra redescoberta e acessível ao grande público

Por décadas, os discos de carreira de Jackson do Pandeiro estiveram fora de catálogo, sendo encontrados somente em sebos, geralmente a preços inacessíveis, salgados até mesmo para devotados fãs e colecionadores. Quando eram lançadas coletâneas em CDs, na maioria das vezes a seleção se dava apenas com os grandes sucessos, sendo praticamente inviável o conhecimento dos chamados “lados B” de sua obra pelo grande público.

Pesquisadores musicais fizeram trabalho de garimpagem com a obra de Jackson, que é espalhada e difícil de reunir
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Nos últimos anos, porém, este cenário vem se alterando. Com o trabalho árduo de pesquisadores em prol da memória musical brasileira, grande parte da obra do artista paraibano foi relançada em CD, podendo, atualmente, ser ouvida nas plataformas digitais.

Garimpo de pesquisadores rendeu pepitas sonoras como show de 1980

O pesquisador Marcelo Fróes é um destes “garimpeiros de preciosidades musicais”. Ao longo dos últimos 15 anos, realizou cinco projetos relacionados à obra de Jackson do Pandeiro. Em 2004, compilou 50 músicas lançadas pela gravadora Copacabana entre os anos de 1953 e 1958 em um CD duplo lançado pela EMI. Quatro anos depois, já pelo selo Discobertas, completou o repertório dos anos 50 de Jackson com o lançamento de outro CD duplo, com fonogramas da Columbia.

Fróes ainda lançaria o CD “Jackson do Pandeiro ao vivo”, trazendo o registro de um show de 1980 do artista, e o DVD “Jackson do Pandeiro – MPB especial 1972”, antes de lançar a caixa “Jackson do Pandeiro anos 60 – 1966 – 1969”, contendo os álbuns “Cabra da Peste” (1966), “A Braza do Norte” (1967) e “É Sucesso” (1967), além de uma coletânea de raridades.

Com estes relançamentos, faltava a “garimpagem” da obra lançada pela Phillips nos anos 60. E o trabalho do jornalista e pesquisador musical Rodrigo Faour cumpriria esse papel: em 2016, foi lançada pela Universal a coletânea “Jackson do Pandeiro – O Rei do Ritmo”, uma caixa com seis CDs duplos e três simples, contendo 235 músicas do artistas paraibano.

“Esta fase em que ele gravou na Philips, nos anos 60, que é uma fase muito pouco conhecida dele, quando esses discos apareciam, tinham uma qualidade péssima. E eu consegui todas as gravações originais, das fitas masters. Então o som da caixa, sobretudo dessa fase dele, da Philips, que é 90% da caixa, tá tinindo”, comemora Faour, que também incluiu os fonogramas da fase Copacabana, dos anos 50, na compilação.

Foram mais de dez anos garimpando faixas avulsas de compactos, discos de carnaval e de São João; procurando herdeiros de compositores; vasculhando sebos e contatando colecionadores em busca de capas de disco.

“Para achar as faixas avulsas e os compactos foi uma coisa louca, eu tive que contar com coleções individuais de outros pesquisadores. E aí, tive outro problema depois, que foi achar as capas originais. Porque os discos do Jackson são dificílimos”, explica Faour. “E, quando eles aparecem, são caríssimos”

Quase tudo está online, para ouvir dos forrós aos sambas e marchas de Carnaval

Com a obra quase completa disponível para audição nas plataformas digitais, é possível compreender como se estruturava a indústria cultural até os anos 60, quando os lançamentos fonográficos obedeciam a um calendário que incluía obrigatoriamente o Carnaval e o São João.

Sendo Jackson um nome muito ligado ao gênero que convencionou-se chamar de forró, que agrega baião, xote e xaxado, entre outros ritmos, é comum associá-lo, por exemplo, às músicas de São João – e, de fato, ele gravou muito disco destinado aos festejos juninos.

É surpreendente, porém, a quantidade de gravações que fez destinadas ao Carnaval, incluindo sucessos, como o samba “Vou gargalhar” (Edgar Ferreira) e a marcha “Vou ter um troço” (Arnô Provezano, Jackson do Pandeiro e Otolino Lopes).

“Dos anos 30 aos anos 60, as gravadoras botavam seus elencos inteiros para gravar para o Carnaval. E o Jackson não fugiu a essa regra”, explica Faour. “E ele também já era um cara festivo, então deitou e rolou”.

Para os herdeiros, muita lembrança e pouca renda de direito autoral

Para Zé Gomes, sobrinho de Jackson e herdeiro da obra do “Rei do Ritmo” juntamente com suas irmãs e primas, seu tio chega ao centenário “muito lembrado”.

“Muitas pessoas pedem liberação para fazer peças teatrais, para fazer regravações, isso não tenho o que reclamar. A obra dele, por incrível que parece, é bem executada. Então isso gera uma arrecadação”, avalia. Mas Gomes lembra que estamos no Brasil. “Poderia ser melhor, né? Se fosse em outro país, meu tio seria milionário.”

Sobre a questão de direitos autorais, Zé Gomes lembra que, embora Jackson tenha gravado mais de 160 músicas de sua autoria, os maiores sucessos são de outros compositores, como Edgar Ferreira, Rosil Cavalcanti, Gordurinha e Almira Castilho. “Direitos autorais é aquela coisa: sempre foi ruim, a vida toda, e não é agora que vai melhorar.”

“Mas esse é o legado que ele deixou. Onde eu passo as pessoas falam bem dele, todo mundo fala muito bem”, exalta Gomes. “Ele estava sempre fazendo o pessoal rir, ele gostava muito de brincar com as pessoas. De ficar mexendo com o outro. Muito brincalhão, muito para cima.”

Nesse sentido, a música de Jackson “é um remédio para o Brasil dos dias atuais”, avalia Faour. “A vida é sempre difícil para todo mundo. Então, a gente ter uma alegria original como a do Jackson, sem ser uma alegria importada, de Beyoncé, é sempre interessante, né? Para não parecer que só existe um padrão de alegria no planeta”.