O que descobrimos
- Prefeitura advertiu 8.445 pessoas, mas não deu penalidade financeira a ninguém
- Na internet, pessoas ensinam truques para poder circular sem máscara e sem repreensão
- Mesmo ao ar livre, a máscara é necessária, diz infectologista
Desde que as máscaras se tornaram item obrigatório para prevenir a contaminação do coronavírus, em 1º de julho do ano passado, nenhuma multa por falta de uso da proteção foi aplicada na cidade de São Paulo. O dado foi levantado pela Fiquem Sabendo, uma agência de dados independente e especializada na LAI (Lei de Acesso à Informação).
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“A Prefeitura tem optado por ações educativas, reforçando à população a necessidade do uso correto das máscaras, não fazendo desta uma ação punitiva”, disse em nota o chefe de gabinete da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, Armando Luis Palmieri.
A lei estadual diz que é obrigatório o uso de máscaras cobrindo nariz e boca em ruas, espaços de lazer ao ar livre, mercados, lojas, bares e farmácias, shopping centers, no local de trabalho, no transporte público ou compartilhado (ônibus, metrô, trem, táxi e carros de aplicativo) e áreas comuns de prédios e condomínios.
A multa para quem circula sem máscara em espaços públicos e particulares de uso comum é de R$ 524. Já os estabelecimentos comerciais são multados em R$ 5.025 para cada pessoa que estiver no local sem a proteção. Há ainda a previsão de uma multa de R$ 1.380,50 se o estabelecimento não colocar placas que informam sobre a obrigatoriedade da máscara.
O Estado de São Paulo, onde vivem aproximadamente 44 milhões de pessoas, aplicou 179 multas por desrespeito ao uso de máscara de 1º de julho a 11 de agosto, segundo a Secretaria Estadual de Saúde.
Em outubro, a Fiquem Sabendo registrou pedido à Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, solicitando o número mais recente de fiscalizações sobre o uso de máscaras e de multas aplicadas devido ao uso incorreto de máscaras no estado. Mas ainda não houve resposta. A agência segue recorrendo.
Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares. “A máscara, a caseira principalmente, evita que o aerossol e as gotículas que saem de nossa boca se espalhem. É isso que provoca a contaminação”, explica o médico infectologista Pedro Mendes Lages, do Hospital Samaritano e da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Muita gente alega que ao ar livre não é preciso usar a máscara. Mas, segundo Lages, isso só se aplica se a pessoa estiver sozinha. “O vento realmente dissipa o aerossol. Mas só não há perigo se as pessoas estiverem realmente longe umas das outras. Vários países da Europa, como Portugal e Holanda, que não adotaram o uso de máscara em áreas comuns ao ar livre e agora estão enfrentando surtos graves de covid-19”, diz ele.
Em Portugal, por exemplo, onde a população é de 10,2 milhões de pessoas (no Brasil são 211 milhões) a taxa de infectados pelo corona vírus é de 108 pessoas por 100 mil. No Brasil, a taxa é de 24, número igual ao da Holanda, segundo levantamento do jornal The New York Times com base em dados dos governos locais e da OMS (Organização Mundial da saúde).
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde paulistana, a preferência foi advertir e não multar as pessoas. Desde que a lei começou a valer, a secretaria deu advertências para 8.445 pessoas.
“Parece que não”, diz Flávia Ávila, especialista em economia comportamental e presidente da InBehavior Lab, empresa especializada em usar a ciência para criar estratégias, intervenções e produtos mais eficazes e inovadores. “As pessoas seriam melhor convencidas a usar as máscaras se as lideranças dessem o exemplo, o que não tem acontecido”, diz ela.
Recentemente, por exemplo, uma juíza e uma atriz apareceram em suas redes sociais mostrando truques para circular sem máscara onde a proteção é obrigatória.
No Twitter, a magistrada Ludmila Lins Grilo de Minas Gerais gravou um vídeo tutorial para não precisar usar a máscara fora de casa. “Passo a passo para andar sem máscara no shopping de forma legítima, sem ser admoestado e ainda posar de bondoso. 1- compre um sorvete. 2- pendure a máscara no pescoço ou na orelha para afetar elevação moral; 3- caminhe naturalmente”, escreveu ela na legenda do vídeo. Consultada pela reportagem, Ludmila não quis responder.
“Quando existem mensagens contraditórias assim, a população não adere a um novo hábito, como o das máscaras”, diz Flávia Ávila. Por isso, ela acredita que as multas deveriam ser aplicadas, pelo menos para dar um exemplo e reforçar a lei.
“Não é preciso multar em massa, pois isso pode gerar polêmica. Mas a punição financeira daria chancela, seria um reforço de autoridade, principalmente para quem usa a máscara poder chamar a atenção de quem não usa. Elas poderiam argumentar mais. Hoje, elas se sentem acuadas”, diz a especialista.
Fiscalizar o uso de máscara em bares e restaurantes, segundo ela, também poderia ser uma forma de viabilizar o funcionamento desses estabelecimentos. “O que acontece hoje é que todo mundo fica sem máscara, mesmo que não esteja comendo ou bebendo. Se a proteção fosse exigida para quem não está sentado, consumindo, a contaminação cairia e os negócios poderiam funcionar.”
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