Antes da crise do coronavírus, a disseminação da prática de home office no Brasil soava como um futuro anunciado que nunca chegava para valer.
As empresas tinham receio de possíveis problemas trabalhistas e de falhas de segurança, enquanto muitos chefes se sentiam inseguros em relação ao controle da produtividade dos subordinados.
Os próprios profissionais temiam a falta de adaptação, por conta do afastamento do convívio com os colegas e de possíveis interferências da família.
Então veio o confinamento emergencial, levando milhões de pessoas à necessidade de trabalhar em casa, sem o período apropriado para preparação e adaptação. Tudo está sendo feito no improviso, com os recursos disponíveis.
As perguntas que estão no ar são: depois que a crise tiver passado, como ficará a cultura do home office no Brasil? Terá dado o passo além que faltava ou tudo voltará a ser como antes do coronavírus? Com base no test drive em andamento, a maior parte dos profissionais passarão a simpatizar com a ideia ou, ao contrário, irão detestá-la?
As principais questões relacionadas ao tema, que precisam ser mais seriamente enfrentadas para a consolidação do home office no Brasil, são as seguintes:
Infraestrutura
A improvisação momentânea decorrente da crise do coronavírus precisará ser substituída por um cuidado maior com as instalações dos escritórios domésticos. É fundamental ter um bom local para trabalhar, confortável e isolado do resto da casa.
O regime de home office deve ser formalizado no contrato de trabalho, documento que precisa estabelecer as atribuições de cada parte – quem se responsabiliza pelos custos com equipamentos, energia e internet, por exemplo.
Se o acerto porventura incluir o uso do mesmo computador para trabalhar e para as atividades pessoais, o profissional deve estar ciente de que perderá a privacidade. “Nesse caso a empresa vai monitorar tudo: o que diz respeito a ela, mas também coisas pessoais do funcionário”, adverte Bruno Maia, head de inovação do SAS América Latina, empresa global de analytics e desenvolvimento de softwares.
Jornada de trabalho
Como não há controle da jornada do trabalhador em home office, deixa de existir a figura das horas extras. Isso exige uma mudança na mentalidade de todas as partes envolvidas, de modo a assegurar o ponto de equilíbrio entre alta produtividade e expedientes racionais de trabalho.
“São necessários treinamentos para tratar de temas como autoliderança, gestão de tempo, organização da rotina, comprometimento e produtividade”, avalia a especialista em carreira e liderança Marcia Sasdelli.
Vale lembrar que o home office não precisa ser uma solução radical. Um bom caminho, inclusive para amenizar os problemas de mobilidade dos grandes centros, é a adoção parcial do trabalho em casa, a exemplo de dois dias por semana.
Estando em casa, é importante manter uma rotina de trabalho – tentando, inclusive, cumprir horários de início e fim da jornada, além da parada para o almoço. “O recomendável é que o profissional se vista como se fosse sair para o trabalho. Assim, fica mais fácil para o cérebro entender que, apesar de estar em casa, é hora de trabalhar”, diz Andreia Girardini, diretora de pessoas e cultura do GetNinjas, site de contratação de serviços.
Liderar à distância
Para líderes que se acostumaram a supervisionar o trabalho dos subordinados por pressão e presença física, o afastamento geográfico é uma situação complicada.
Celson Hupfer, fundador e CEO da Connekt, plataforma de recrutamento digital, defende a adoção do conceito de liderança por meio do reconhecimento. Com base nas reflexões do filósofo alemão Axel Honneth, ele propõe que a liderança em tempos de home office precisa se basear em três pilares: confiança, igualdade e liberdade.
O pilar “igualdade” se refere à ideia de que todos os profissionais da equipe devem receber tratamento igualitário em termos de oportunidades e também de informação.
“O reconhecimento, nestes termos, vale tanto dos liderados para o líder quanto o inverso”, explica Hupfer, que é doutor em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP).
Uma das estratégias para colocar esses conceitos em prática, diz o CEO da Connekt, é manter uma rotina de reuniões virtuais com a equipe, de preferência sempre no mesmo período do dia. Conversas rápidas, com pautas claras. “O foco é perguntar a cada um o que fez no último dia, o que fará no próximo e o que poderá atrapalhar de alguma forma esse plano. Ao final, dar a oportunidade para que cada um diga como está se sentindo”, descreve.
Segurança
Home offices aumentam consideravelmente o risco de vazamento de informações. A preocupação é maior para as empresas que têm dados como o principal ativo.
Os escritórios são protegidos por um “guarda-chuva” de segurança que não é facilmente reproduzido em escritórios domésticos. Isso demanda investimentos como a disponibilização de uma VPN (Virtual Private Network, rede privada virtual). Trata-se de uma conexão segura, que, por ser criptografada, impede que o conteúdo seja acessado em caso de interceptação.
Um processo especialmente vulnerável é o de comunicação com a equipe. Para reduzir os riscos, os softwares utilizados para a execução do trabalho e para a conexão com os colegas, chefes e subordinados devem ser licenciados e estar sempre atualizados.
O advogado e economista Renato Opice Blum, um dos maiores especialistas em direito digital do país, lembra que as empresas precisam definir regras de segurança que devem ser seguidas pelos funcionários que estão trabalhando remotamente.
“É preciso insistir na orientação mesmo em relação os procedimentos mais básicos, como a inadequação do uso de senhas-padrão ou a necessidade de fechar as contas ao sair do dispositivo”, lembra Opice Blum. “Por incrível que pareça, pessoas esclarecidas, que trabalham em grandes corporações, cometem esse tipo de erro o tempo todo.”
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